terça-feira, 15 de janeiro de 2008

1609 - Miranda i la lhéngua mirandesa bistas por Severim de Faria


[L decumiento que hoije se apersenta ye la trascriçon antegral de l relato que ye feito ne l diário de la biaije de Severim de Faria, subre la cidade de Miranda, sou termo, sue giente i subre la lhéngua mirandesa. Severim de Faria bieno a Miranda an nome de l cabildo de la Sé de Ébora, a que pertencie i de que era xantre, a dá-le ls parabienes al bispo de Miranda, que habie sido nomeado arcebispo de Ébora. L xantre stubo an Miranda uito dies: chegou l die 28 de Nobembre de 1609, a las cinco de la tarde, i saliu l die 7 de l més de Dezembre. Todo l relato de la biaije ye mui amportante, mas eiqui solo deixamos la parte que respeita a la Tierra de Miranda, atenta la sue amportança pa la stória de la lhéngua mirandesa. Ye la parte de l decumiento que fala de l'antrada na Tierra de Miranda (Fornos de Lagoaça) até la sue salida.

Este decumiento fui studado por José Leite de Vasconcellos, mas hai que tornar a el. La sue amportança eisigie que eiqui se publicara.

L decumiento ye sacado de Nação Portuguesa, vol. VII, Fascículo XI-XII, 1933.

A.F.]





17 jornada 26 de Novembro

Da Torre de Mencorvo a Fornos ha quatro legoas de bom caminho posto q. acompanhado de pequenas serras onde ha mtas minas de ferro.

Fornos he lugar de mais de cem vizinhos do termo de Freixo de Espada cincta. A Igreja he vigairaria q. apresentão os da mesma camara. He esta terra abũndante de trigo posto q. mui somenos. Lavrãse os campos a folhos como em Alemteio.

Tem tambem vinho e fazem paças de uvas e figos de mto bom sabor posto q. as de uvas tocam sempre de azedo porq. nunqua amadurecẽ nesta terra mto de q. he bom sinal acharmos todas as parreiras carregadas ainda dellas, e mtas por pintar.

A gente deste Territorio he mui bem acondiçoada e agasalhadeira de modo q. quando aqui chegou o Sõr Chantre lhe trouxerão todos presentes das fruitas sequas de terra e detoxarrias e de outras d’espinho (de q. a terra tambem abunda) e com animo tão livre q. recusrão tomar a remuneração q. pellos presentes o Sõr Chantre lhes mandou dar. Costumase tambem nesta terra andarem as moças antes q. casem quasi todas em cabello e pouquas em coifas, e as casadas trazẽ somte as toalhas. Neste dia tivemos grande chuiva por isso não passamos por diante, e fizemos aqui noite.



18 jornada 27 do mes

De Fornos a villa d ala ha tres legoas as quais passamos cõ grão tormenta de chuivas de modo q. atravessamos algũas ribeiras na estrada q. a mor parte do verão não levão corrente, e tanta altura q. davão pellos peitos aos de pé. O lugar he de cem vizinhos do senhorio da comenda do Mogadoiro de quẽ he tambem a Igreja q. rende tresentos mil rs. Aqui fizemos noite pella aspereza do tempo.



19 jornada do mes

De Villa d ala a Duas igrejas ha sinquo legoas. Teve esta villa este nome por duas igrejas q. nella ha hũa das quais he abadia q. rende quatrocentos mil rs. O povo he perto de suzentos vizinhos, e o grosso está ao longo de hũa ribeira sequa.

Aqui sesteamos.

De Duas igrejas a Miranda ha hũa legoa de bom caminho assombrado de montes ao longe. Pouco depois de saidos do lugar ouvemos vista dos q. vinhão esperar o Sõr Chantre sabendo ia da sua ida por hũ proprio q. de Fornos despachou o Sõr Chantre ao Bpo. Tanto q. chegarão ao perto se sahio o Sõr Chantre das andas e se pos na mula q. levava de dextro e cõ as andas de tras caminhou ate os encontrar era a mais desta gente mandada do Bpo. e familiares seus assi eclesiasticos, como seculares. Entre elles vinha tambem o mestre eschola da Sé, o qual tomando o sõr chantre a mão dereita, o foi acompanhando iunta mte cõ os mais ate a cidade na qual entramos as sinquo da tarde, e despedindo se o sõr chantre a porta do Bpo. dos q. não erão de caza descavalgou e acompanhado de todos os da familia q. o vierão receber subiu a salla na porta da qual oo esperava o Bpo. ao qual tanto que o sõr chantre chegou lhe pedio a mão pa. a beijar porẽ elle o não consentio antes tomandoo por ella o levou a sua ante camara onde depois de lhe perguntar como vinha do caminho lhe deu o sõr chamtre os perabens da nomeação (riscado: q. S. Mg.de nelle fez) do arcebispado de Evora da parte do seu Cabido e cõ isto se deu fim a ultima iornada deste caminho.



Estada de Miranda

He esta çidade de Miranda povoação antigua deste Reyno situada no ultimo fim delle. ElRey D. Sancho a sercou e D. J.º 3 lhe deu o título de çidade irigindo nella Sé catedral no ano de 1552 tirando os subditos deste Bispado do de Braga. A povoação he pequena e não passa de quatrocentos vizinhos, posto q. a cerca ocupa maior lugar. He terra abundantíssima de pão e de senteio, mas de pouca sevada. Vinhos tem mtos bons e baratos, e de grande copia de carnes principalmte de vitelas e carneiros, os quais pella maior parte são de lam negra, e os porcos pello contrario todos de çeda branca.

A mais da gente he plebea, e for a o clero ha poucos nobres. Vestense os do povo mui grosseiramte usando dos panos cõ as mesmas ourelas, q. lhe ficão em modo de guarniçoẽns. As molheres trazẽ no meio da cabeça hũns toucados altos como meia lua. Falão mal se os compararmos cõ a lingoagem de hoje politica porq. alem de usarẽ de algũas palavras antigas pronuncião os vocabulos cõ grande pressa fazendo so mte asentos agudos e prolongos na primeira e ultima siliba da dicção o q. parece herdarão ainda dos suevos, e godos, e de outras naçoens do norte q. nesta provinçia abitarão, dos quais he peculiar essa pouinciação. Ha nesta terra alfandega de portos seccos por ser com’dixe o ultimo lugar deste Reyno, q. confina cõ Castella nas terras de Çamora, por esta razão tem algũas mercadorias de for a das quais a principal he o sabão em pellas de q. aqui ha sempre copia. Fasce aqui feira todos os pros dias de cada mez e o principal q. se nella vende são pelles, anfories, e cambeis de q. se lavrão mtos na terra posto q. grosseiros. A renda do cabido desta çidade não he da terça ou quarta parte conforme os canones, mas he toda dos dizimos de sertas igrejas, q. estavão aplicados ao mostrº. de Castro de avellans da ordem de S. Bento, o qual por este effeito se extinguio. He costume neste bispado pagar cada casal dous alqueires de trigo alem do dizimo, e por cada pessoa q. não he cazada hũ vintem, e chamão a esta ofrenda emprimas. He este sitio de çeo inclementissimo e de inverno de imcomportavel frio e neves de modo q. se não pode andar pellas ruas sem roupoens e assi o usão todos os eclesiasticos, e nobres da çidade por esta causa se não abita esta terra mto, e vendo ElRey D. Jº. quanto importava em razão de estado ser bem povoada fez por aqui o asento desta nova igreja, mas nem por isso tem erejeido depois q. se edificou hũa só caza. Dizem q. o Bpº. D. Heronimo deixou este bispado pello do Porto ficando cõ muito menor renda por dizer q. se não podia ser nem do de Miranda. E na verdade se em algũa terra se podia sofrer este iperbole era nesta, porq. sendo frigidissima de inverno he no verão de tão calido clima q. seccão nella todas as fontes e duas grossas ribeiras q. junto dellas correm. Em todo este tempo se não ve nella folha verde. A Sé he feita ia a moderna tem os frontispícios de obra dorica cõ duas torres de sinos nos cantos de fremosa arquiteitura. O templo por dentro he dorico de tres naves e não está de todo acabado por ter alguns erros intoleraveis como foi o do choro de xima q. por fiquar mto iunto da abobeda se não pode servir delle. No Sacrario do altar maior estão mtas reliquias aprovadas q. deu a Rainha D. Catharina quando se esta Sé erigio, entre as quais he de mta consideração hũ sinto de S. Pº. A canela de hũ braço de S. Bras. Hũ osso e hũa coifa de Madalena, e a cabeça de S. Henrique da legião thebea. He esta cidade como todos os mais lugares de tras os montes de grandes lodos porq. não costumão mandar alimpar as ruas, antes mandão lançar mta quantidade de toios felpos, e outra hervas, pª. q. molhandose cõ chuiva, e pizandose cõ a gente se corrompão.

Nestes dias foi o Sõr chantre vizitado de todos os conegos, e dignidades da Sé e banqueteado sempre do Bpº. esplendissimamte. E do mesmo modo o forão seus criados aos quais servirão sempre com baixella de prata, e mtas iguarias. Aqui estivemos oito dias nos quais depois de se informar o Bpº. largamte das cousas do arcebispado de Evora lhe deu licença pª se vir o q. o sõr chantre fez de segunda frª. 7 do mes de Dezembro. Repartindo prº alguns dobrões pelos criados do bispo q. lhe assistirão, como tambem fez no Ladairo e nos mostros de Coimbra donde somte na iornada não vi os serviços de seus criados.



20 jornada a 7 de Dezembro

Partimos de Miranda as 8 horas, da menhã, e o Bpo. se despedio do sõr chantre acompanhandoo ate a porta da escada, e mandou mtos de sua familia cõ elle que o acompanharão de mea legoa fora da çidade e despedindose o sõr chantre se meteo nas andas e fomos dormir a Villa d ala que são seis legoas. Parte do serão desta noite entretiverão o sõr chantre mtos dos moradores deste lugar cõ as musicas, e instrumtos q. costumão. São todos estes povos naturalmte inclinados a musica e assi gastão nella os mais dos dias feriados, e o tempo q. lhe sobeia do trabalho. O modo de cantar é quasi sempre semelhante, e na ridmica delle parece immitão ainda os povos do Norte de que decendem. Os instrumtos q. tangem são gaitas de fole q. tocão cõ gentil arte e destreza, e na verdade q. aquela rustica armonia tem de melodia assás.



21 jornada 8 do mes

De Villa d ala a Mencorvo ha 7 legoas nella fizemos noite. Neste caminho duas legoas da villa encontramos dous lobos ao longo da estrada hũ delles tamanho como hũ pequeno bezerro q. devia ser femea por hũ cachorro pequeno q. o seguia. Foi sempre tão seguro q. nunqua se espantou dos nossos brados. Ha nesta terra mtos, e são mui daninhos, e cada dia crescem mais por o descuido q. ha nas montarias dos povos, e somte. se lhe faz algũ dano cõ o premio que ElRey manda dar a quẽ os cassa, e desninha dando as pelles em sinal da morte, as quais depois os Almoxarifes apresentão em Lxa. nas suas contas.